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STJ decide não federalizar casos de Nova Brasília por entender adequada a atuação e desenvolvimento dos processos na esfera estadual
Publicado em Thu Aug 26 09:55:58 GMT 2021 - Atualizado em Thu Aug 26 12:47:01 GMT 2021

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio da Assessoria de Recursos Constitucionais Criminais (ARC Criminal/MPRJ), obteve, nesta quarta-feira (25/08), decisão favorável junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), no escopo do Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) número 21/2019. Proposto pela ex-procuradora-geral de Justiça, Raquel Dodge, o IDC tinha como objetivo retirar da esfera fluminense os julgamentos dos 13 crimes de homicídio ocorridos na chacina da Favela Nova Brasília em 1994, bem como dos crimes sexuais contra três moradoras na mesma incursão policial, além de outras 13 mortes durante confronto na mesma comunidade, em 1995. Com o voto do ministro relator Reynaldo Soares da Fonseca, o STJ negou provimento ao IDC, reconhecendo que o Estado do Rio desenvolveu os processos adequadamente, não se justificando a remessa dos autos para a Justiça Federal.

Em sua explanação durante a terceira seção do STJ, o assessor-chefe ARC Criminal/MPRJ, procurador de Justiça Orlando Belém, iniciou sua fala reconhecendo que, no caso dos crimes de estupro, as estruturas do Estado apresentaram a denúncia de forma tardia, em função de fatores como excesso de tecnicismo na apuração dos fatos e verificação se já teria ocorrido a prescrição do caso. "Essa questão foi definida com a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que, em 2017, condenou o Estado brasileiro pela má condução das investigações. Após isso, o MPRJ prontamente avaliou o tema e colocou sua estrutura à disposição das vitimas, para colher depoimentos sobre aquela situação traumática e, com isso, pode oferecer uma denúncia segura ao Poder Judiciário, ciente de que os fatos narrados transcendiam a esfera de crime sexual, sendo equivalentes à tortura, isto é, sem prescrição", apontou.

Orlando Belém fez a diferenciação entre os fatos ocorridos em Nova Brasília. No caso de 1994, aponta, de fato houve uma chacina, que mereceu uma denúncia por parte do MPRJ, cujo julgamento no Tribunal do Júri, embora tardio, ocorreu no dia 17/08 deste ano. No entanto, não houve possibilidade de condenação dos PMs réus, apesar de o MPRJ ter apresentado todos os elementos recolhidos durante as investigações. Já nas mortes de 1995, explica Belém, o MPRJ não ofereceu denúncia pelo fato de que aquele episódio ter sido diferente do ocorrido no ano anterior. "Houve então um confronto entre policiais e traficantes, na época comandados pela facção liderada por Marcinho VP. Naquele maio de 1995, ao entrarem no local, os policiais logo foram alvejados, e três deles foram vitimados", explicou.

"Dentro da orientação do próprio STJ, para o julgamento de IDCs, não houve omissão, leniência por parte do MPRJ. Nos IDCs em que houve decisão pelo deslocamento, ficou comprovada, de maneira clara, a inoperância, a impossibilidade de dar seguimento à investigação. Sobre Nova Brasília, houve ação, atuação por parte do MPRJ, correspondendo à jurisprudência desta Corte. Assim, não vejo possibilidade de deslocamento, quando se tem demonstrado que os aparelhos locais desempenharam com presteza as suas atividades de investigação e persecução penal. Não há como entender essa possibilidade, razão pela qual o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro requer a improcedência do IDC 21/2019", finalizou o assessor-chefe ARC Criminal/MPRJ.

Em seu voto, o ministro relator Reynaldo Soares da Fonseca defendeu o IDC como instituto  em defesa das garantias dos direitos fundamentais humanos, mas que deve ser usado de forma excepcional. "Ele não pode ser usado para desfigurar o modelo federativo brasileiro, composto pelas Justiças federal, estaduais e distrital. Até mesmo para evitar o risco de se esvaziar a competência da Justiça estadual e inviabilizar o funcionamento do Justiça federal. Estamos aqui diante de um caso que revela a violência, alimentada pela grave crise social brasileira, que faz do Brasil o nono país mais violento do mundo. Situações que afetam, sobretudo, a parcela hipossuficiente da população. O STJ deve estar atento ao quadro de violência letal, junto aos demais atores do sistema de Justiça. Mas, ao mesmo tempo, deve utilizar o IDC norteado pela preocupação de manter o Estado Democrático de Direito e reafirmar a República brasileira e a nossa federação", afirmou, para então proferir seu voto.

"A jurisprudência consagrou três pressupostos para o acolhimento do IDC: a constatação de grave violação dos Direitos Humanos; a possibilidade de responsabilização internacional em razão do descumprimento de obrigações assumidas em tratados internacionais; e a clara evidência de que órgãos estaduais não apresentam condições de apuração, processamento e julgamento do caso com a devida isenção. No caso de 1994, a despeito de ter ocorrido patente omissão estatal na investigação durante mais de dez anos, foram apuradas provas suficientes para oferecimento de denúncia e pronúncia dos investigados, cujo julgamento ocorreu somente neste mês de agosto de 2021. No caso dos estupros, igualmente houve denúncia por parte do MPRJ", ponderou.

Na avaliação do ministro, tais fatos comprovam que a máquina judicial do Estado do Rio de Janeiro vem agindo, atualmente, a contento. "Não se evidenciando, na atualidade, os sinais de incapacidade, ineficácia, omissão ou mesmo inércia das autoridades constituídas do Rio, ou mesmo da Justiça estadual, no desempenho da sua missão institucional de apuração, processamento e julgamento dos casos aqui apresentados com a devida isenção, revela-se desnecessário o deslocamento de competência", decidiu, fazendo questão de frisar que a tristeza dos fatos ocorridos na comunidade de Nova Brasília é um elemento indiscutível.

Também participaram da terceira seção do STJ, presidida pelo ministro Marcelo Ribeiro Dantas, o defensor André Porciúncula, da Defensoria Pública da União (DPU), que posicionou-se de forma "favorável ao deslocamento de competência, com a federalização do caso, devido à grave violação de Direitos Humanos e incapacidade das instâncias e autoridades locais de oferecer respostas efetivas no caso", e Pedro Carriello, da Defensoria Pública do Estado do Rio (DPERJ) que, apesar de apontar a dificuldade de fazer o enfrentamento dos delitos cometidos por agentes de segurança pública no Rio de Janeiro, com necessidade de se aprimorar o sistema de apuração de tais casos, colocou-se de forma contrária ao IDC 21/2019, por considerar que tal deslocamento não seria conveniente para as vítimas dos crimes sexuais".

Por MPRJ

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